O Novo Marco do Saneamento (Lei Federal n. 14026) foi sancionado pelo Governo Federal em 2020 e trouxe importantes inovações legais, dentre elas a obrigatoriedade da cobrança de taxa ou tarifa pelo manejo de resíduos sólidos urbanos (conhecida como “Taxa do Lixo”) pelos municípios brasileiros que ainda não a dispõem. A cobrança foi instituída considerando a necessidade de aumento da capacidade financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos nos municípios.
O prazo estabelecido pelo Novo Marco para que a cobrança da taxa ou tarifa fosse implementada, ficou definido, obrigatoriamente, para 15 de julho de 2021, com a efetiva cobrança a partir de 2022.
O serviço público de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos compreende a coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas, que por meio da cobrança, deve ter garantido a sua sustentabilidade econômico-financeira, ou seja, o que se arrecada deve cobrir todos os custos necessários à sua manutenção.
Muitos municípios brasileiros não realizam qualquer espécie de cobrança, sendo que todos os custos referentes ao manejo de resíduos sólidos são cobertos por recursos do município, de outras fontes, o que não mais é permitido. Já em outros municípios em que é feita a cobrança, o que se arrecada não é suficiente para manter o serviço, muitas vezes há problemas de inadimplência ou questionamentos quanto à cobrança conjunta com outros serviços, como por exemplo, com o IPTU.
Dessa forma, o desafio colocado pela nova legislação não existe apenas para aqueles que não têm a cobrança, mas para todos os municípios que também não dispõe de uma cobrança economicamente sustentável.
Para contribuir na solução do problema do lixo junto aos municípios, que não dispõem de recursos próprios para tal, a inovação legal também se deu considerando a possibilidade de participação da iniciativa privada, que, por meio de contratos de concessão de longo prazo, pode trazer recursos para os investimentos necessários, além de eficiência operacional e novas tecnologias que favoreçam a geração de renda e emprego, o aproveitamento energético e a transformação do lixo em produtos e insumos de valor econômico.
Dúvidas normativo-legais não persistem quanto a forma de remuneração pelos serviços públicos de resíduos sólidos: se prestados diretamente pelo titular/município serão remunerados via pagamento de taxa e se prestados por concessionário privado (por concessão ou permissão), serão remunerados via pagamento de tarifas. Este entendimento está respaldado pela orientação doutrinária e jurisprudencial, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal[1]. Os prefeitos não têm alternativa de cobrar ou não, mas podem trabalhar para que os munícipes tenham acesso ao melhor serviço público com o menor custo. Dessa forma, a questão não é mais se a cobrança é legal ou não, mas como ela deve ser feita.
Como deve funcionar a cobrança do serviço de manejo de resíduos sólidos pelos municípios?
Segundo a Lei nº 11.445/07, a cobrança pela prestação do serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos, poderá adotar uma das seguintes modalidades legais: TAXA (regime tributário) ou TARIFA (regime de preços públicos); tudo em conformidade com o regime de prestação do serviço ou de suas atividades.
Na elaboração do módulo de cobrança, é necessário estabelecer o parâmetro de cobrança. Pode ser utilizada a metragem do imóvel, o consumo de água ou de energia elétrica. A cobrança por estimativa pelo consumo de água já está expressamente prevista na legislação federal.
Além disso, os valores podem ainda ser diferenciados conforme a categoria de uso (residencial, comercial, industrial), padrão construtivo ou porte do imóvel, além da frequência da coleta (quantos dias por semana). O ideal é o uso de critérios e parâmetros objetivos para estimar quanto serviço é utilizado.
Apesar de ser o Município que decide o melhor regime de cobrança, caso opte pela prestação de serviço mediante concessão comum ou patrocinada, deverá ser adotada a cobrança de tarifas, a ser realizada diretamente pela concessionária junto aos usuários do serviço.
Observa-se, ainda, que, no caso de prestação do serviço por empresa municipal de direito privado ou por qualquer entidade privada ou pública contratada (em regime de gestão associada ou de concessão), mesmo que a regulação municipal estabeleça o regime de taxas para a cobrança pela disposição e pela prestação do serviço de manejo de RSU, é possível atribuir à instituição responsável pela prestação do serviço a atividade de gerenciamento do processo de cobrança – emissão do documento de cobrança (conta/fatura) e execução da arrecadação – e vincular a receita arrecadada contratualmente ao pagamento desta instituição (pagamento que deve atender ao disposto nos artigos 58 a 65 da Lei 4.320, de 17 de março de 1964).
Há que se observar em cada caso específico o que dispõe o Código Tributário Municipal, porquanto é certo que cada município possui regramento próprio para a cobrança pelos serviços públicos de coleta de resíduos sólidos domiciliares. Ou seja, há que se analisar inicialmente como cada município legislou a despeito da cobrança pelos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos domiciliares (via TAXA ou TARIFA) e adequar sua legislação ao que prevê o Novo Marco do Saneamento e legislações posteriores.
E como conduzir esta questão em cada município?
Criar um novo encargo para a população envolve custos sociais e políticos para os municípios, sendo imprescindível que sejam implementadas políticas públicas com participação de todos os atores locais para que essas transformações possam ser implementadas com equidade e ao longo do tempo. Isto para que, no fim de 2021, os munícipes não sejam surpreendidos com a instituição de uma taxa ou tarifa sem o necessário debate público, com um processo feito às pressas e mal conduzido.
A discussão acerca dos custos dos serviços de resíduos sólidos, mudanças na legislação e decisão sobre a forma de prestação do serviço (se diretamente pelo titular/município ou por concessionário privado, por concessão ou permissão) e sua consequente forma de cobrança (taxa ou tarifa) é uma decisão da gestão municipal e a palavra final deve ser a do prefeito, mas ela pode e deve ser feita com a participação ativa dos técnicos municipais, vereadores e população.
A implementação de regimes de prestação de serviços de manejo de resíduos sólidos que tenham em vista sua sustentabilidade econômico-financeira, social e ambiental não pode mais esperar, de modo que o encerramento dos lixões e a remediação de seus impactos possam se tornar uma realidade nos pequenos e grandes municípios brasileiros.
Dr. LUIZ CARLOS DE ARAUJO FILHO e Dr. WUODSON DOS SANTOS PEREIRA
- assessores jurídicos e Dra. ANDREIA PINTO RABELO – Socióloga e Consultora em Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos. Parceiros na Urbana Consultoria e Projetos